BRASIL: Cidadãos – Observadores mobilizados contra a corrupção

Artigo por Mathilde Dorcadie – jornalista freelancer no Brasil, desde 2014, depois de uma carreira no jornalismo franco-alemão e europeu

05 de agosto de 2016 21:01

No final de junho, José Carlos Ugaz, presidente da organização não-governamental Transparência Internacional, que luta contra a corrupção, fez uma viagem especial para o Brasil, um país atormentado por um ano pelas muitas reviravoltas da operação “Lava Jato”.

Após o encontro com os juízes do Supremo Tribunal, juízes e deputados, o peruano salientou que a corrupção no Brasil é sistemática, isso afetou todo o país, e que as reformas são muito necessárias.

“A grande corrupção mata” disse Ugaz à imprensa. “As investigações devem ir até o fim, doa a quem doer, ninguém está acima da lei.”

O Brasil passa por um momento único. Em 2015, pela primeira vez na história, as pessoas têm colocado a corrupção como o principal problema do país,  na frente das falhas no sistema de saúde, o desemprego e a violência.

Desde 2010, o número de condenações por corrupção aumentou em 116%. E os brasileiros enxergaram no juiz Sérgio Moro – que lidera as investigações contra os dirigentes da Petrobras, vários deputados e até mesmo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva – o seu novo herói anti-corrupção.

Mas outros cidadãos não estão esperando que os meios de comunicação ecoem o tema nem querem esperar que os juízes intervenham, uma vez que o mal já está feito.

Assim, estudantes, aposentados, profissionais liberais participam voluntariamente, dede 2008, no Observatório Social do Brasil (OSB), uma organização que atua no controle do uso do dinheiro público, e mais especificamente o dos os municípios.

Porque a corrupção não é apenas uma questão de grandes montantes entre empresários gananciosos e políticos inescrupulosos. Muitas vezes começa em pequena escala, como já publicou Equal Times em relação a setores da educação ou da saúde no Brasil.

Iniciar uma mudança de cultura

Há dois anos Luiz Cláudio Carneiro preside, em Teresópolis (cidade turística de 175.000 habitantes no estado do Rio de Janeiro), um dos 109 observatórios do Brasil.

Este empresário do setor de informática comenta que se interessou  pelo desempenho dos eleitos para os cargos municipais com objetivo de melhorar a cidade. Depois de um desastre natural em 2011, que matou 300 e deixou milhares de pessoas sem abrigo, Teresópolis recebeu grandes somas de dinheiro como ajuda de emergência. O escândalo em que ex-prefeitos – destituídos mais tarde pela justiça- estavam envolvidos  na gestão destes fundos, levou a criação de uma unidade local do observatório. Hoje há uma dúzia de pessoas que passam parte do seu tempo – cerca de seis horas por mês- para verificar os gastos e as licitações da prefeitura.

“No começo não foi fácil ser aceito pelos representantes municipais, foi necessário explicar o nosso trabalho cívico”, lembra Carneiro.

Em Teresópolis, dois funcionários e dez voluntários, aposentados, advogados ou professores, são responsáveis por acompanhar todas as iniciativas do executivo local e equipe legislativa para evitar qualquer tentativa de peculato.

Isso vai da aprovação de orçamentos, analisados por voluntários para verificar especificamente o preço de compra em comparação com o preço de mercado (para evitar superfaturamento), a divulgação das propostas, para que a concorrência seja respeitada e evitar acordo de preços com uma ou duas empresas privilegiadas. Depois, há um trabalho de acompanhamento, a entrega dos produtos, os trabalhos e os serviços prestados.

“Esta informação nem sempre estão públicas, muitas vezes é necessário pedir, insistir”. No entanto, dizem os voluntários, “temos alguns ‘aliados’ no gabinete do prefeito.”

Cada entidade em cada cidade deve respeitar uma metodologia implementada pelo escritório nacional, com sede em Curitiba.

O seu presidente, Ney da Nóbrega Ribas,  explica que a Equal Times que “O envolvimento dos cidadãos, não seria necessário se o trabalho de controle fosse bem feito. Existem órgãos internos que são responsáveis por fazê-lo, mas muitas vezes é insuficiente.”

Em caso de encontrarem irregularidades, os voluntários comunicam primeiro a sua constatação ao prefeito em seguida, para a assembleia municipal e, como último recurso, o ministério público. Além disso, os observadores têm um olho sobre as nomeações de posições sobre possíveis processos judiciais e se preocupam se as leis municipais aprovadas estão em conformidade com a lei e são do interesse público.

“Queremos iniciar uma mudança de cultura. Nossos representantes eleitos não costumam prestar contas. Por uma sociedade sem corrupção, devemos também acabar com pequenos delitos. Nossa metodologia traz resultados imediatos, “disse Ribas, um ex-funcionário do Banco do Brasil (um dos bancos públicos brasileiros) presente desde o início da empreitada.

De fato, os resultados do Observatório Social do Brasil são bastante encorajadores, uma vez que afirma ter evitado o desperdício de cerca de 1,5 bilhões de reais (US $ 450 milhões) entre 2013 e 2016 em todo o país.

Nos últimos meses, a organização está se expandindo. “O interesse dos cidadãos continua a crescer. Estamos ajudando a abrir 230 novos observatórios. Cada um deles só pode responder a iniciativa de cidadania. Agora precisamos de novos recursos para manter o ritmo”.

Na verdade, o financiamento, apesar de ser feito em grande parte por voluntários, é oriunto apenas por doações de particulares ou empresas.

“Obviamente, nós não aceitamos dinheiro de partidos políticos, nem de origem duvidosa,” consta nos pré requisitos da associação.

A organização desenvolve ações com outras entidades públicas, como as universidades que oferecem estágios aos estudantes de gestão ou contabilidade; com as federações profissionais ou sindicatos de comerciantes, como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), bem como as PME locais.

“Alguns líderes empresariais nos apoiam porque estão cansados de concorrência desleal, de acordos fechados que os excluem dos contratos públicos. Eles desejam, portanto, contribuir para estabelecer um círculo virtuoso”, diz o presidente do OSB.

A Teresópolis, os observadores estão orgulhosos de ter evitado o desperdício de quase 2 milhões de reais ($ 600,000) para os seus co-administrados. Entre outras coisas,  eles conseguiram a anulação de subsídios fixos (diárias) pagas a certos cargos eleitos sem prestar contas sobre sua utilização.

“Recorremos á justiça defendido a sua inutilidade”, diz Cláudio Carneiro.

O pagamento de um subsídio concedido pelo prefeito à imprensa local “para falar bem dele” também foi suspenso. Eram nada menos que 160 mil reais por mês ($ 49.000).

“Nossa intenção é transformar a sociedade, e por que não, ser um exemplo para outros países”, sublinhou o presidente do Observatório Social do Brasil, que anunciou uma parceria com a Transparência Internacional, que em breve terá um escritório no Brasil.

“O Brasil sofre com a corrupção, mas temos os meios para salvar nosso país” conclui.

Imagem: Luiz Cláudio Carneiro, presidente do Observatório Social de Teresópolis, no estado do Rio de Janeiro tem afirmado os seus direitos como cidadãos de uma maior transparência por parte das autoridades eleitas.

Este artigo foi traduzido do Francês e do Espanhol.

Via Equal Times

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O OSB é uma instituição não governamental, sem fins lucrativos, disseminadora de uma metodologia padronizada para a criação e atuação de uma rede de organizações democráticas e apartidárias do terceiro setor. O Sistema OSB é formado por voluntários engajados na causa da justiça social e contribui para a melhoria da gestão pública.

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