É notória a crise de representação política enfrentada no Brasil, refletida na perda de confiança nas instituições e em um sentimento geral de indignação com a corrupção e a ineficiência estatal.
Diante desse quadro, discute-se a necessidade de um maior envolvimento popular em atividades políticas, para fins de deliberação ou controle. E o mais recente desdobramento desse debate é uma solução proposta “de cima para baixo”, isto é, do governo para os cidadãos: a “Política Nacional de Participação Social” (PNPS), instituída por meio do Decreto Federal 8.243/2014.
A PNPS deve ser refletida com prudência: não é por se tratar de uma tentativa de aproximar estado e cidadão que seus resultados serão necessariamente positivos para a sociedade. Há motivos legítimos para se acreditar que o remédio proposto seja pior que a doença diagnosticada: o que vem sido chamado de “sistema de participação” não aborda o cidadão interessado na vida pública, e sim “conselhos”, “comissões” e “audiências”. E, como a maioria das pessoas não possui tempo de sobra para frequentá-los, uma política que se baseie nesse tipo de expediente corre o sério risco de ser parcial e priorizar setores específicos – sendo, portanto, inadequada à concretização dos objetivos anunciados.
Qual seria, então, a maneira correta de se fomentar a participação do cidadão na vida política? A resposta passa por uma constatação: se decisões que não sejam tomadas por meio de representantes de toda a sociedade necessariamente privilegiam grupos determinados, uma participação que de fato se pretenda equânime não pode se basear em “conselhos populares”, e sim na representação institucional, que já existe.
É certo, contudo, que tal representação pode ser repensada, de modo a refletir de forma mais exata os anseios dos indivíduos que compõem a sociedade. E tal aprimoramento deve envolver o respeito a dois princípios: (i) a descentralização do poder e (ii) a redução do escopo do estado. Do contrário, acabará por representar a concentração de um poder demasiadamente amplo nas mãos de um número limitado de pessoas.
No tocante ao primeiro ponto, não há como se aproximar governo e indivíduo sem aumentar a autonomia política dos Estados e principalmente dos Municípios. A “participação política” se dá de forma muita mais ativa em deliberações realizadas a nível local: o cidadão conhece melhor os problemas enfrentados por sua comunidade do que aqueles que assolam todo um país de dimensões continentais.
Por inúmeras razões, da distância física ao número de representados, um vereador é mais acessível ao diálogo que um deputado estadual, e este mais do que seu colega a nível federal. O poder desconcentrado, portanto, permite uma ligação mais efetiva entre o indivíduo e seu representante.
A redução do papel do estado, por sua vez, influi de maneira decisiva na qualidade da deliberação. Quanto menos matérias forem delegadas ao domínio estatal, mais aprofundadas podem ser as discussões a respeito das que sobrarem: decidir menos para decidir melhor.
Em suma, e como afirma o jurista italiano Bruno Leoni em sua obra “Liberdade e a Lei”, uma representação política racional só pode ser obtida com a “redução drástica do número de representados, do número de matérias nas quais são supostamente representados, ou de ambos”. Tais conclusões não são nem de longe novidade: as doutrinas políticas do federalismo e do liberalismo as defendem há séculos, sempre com resultados satisfatórios.
O caminho ora apontado, embora essencial à construção de uma política que realmente se pretenda “participativa”, é o exato oposto do implantado no Decreto 8.243, que simplesmente renova a fórmula de concentração de poder no âmbito federal. Portanto, não se deve considerar os opositores da PNPS como contrários à aproximação entre estado e indivíduo, ideal de extrema importância – desde que, obviamente, realizado de maneira destituída de subterfúgios partidários e ideológicos.
* Erick Vizolli, advogado especialista em Direito Administrativo, bacharel em Direito pela UFPR.
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