Organizações anticorrupção repudiam ‘guinada’ do BC ao criar nota de R$ 200

Matéria original: CNN Business – Escrita por Iuri Pitta – 04 de agosto de 2020.

Dez organizações da sociedade civil que atuam em iniciativas anticorrupção apontam risco de “favorecimento a atividades ilícitas”, como corrupção, sonegação fiscal, lavagem de dinheiro, ocultação e evasão de divisas, decorrente da criação da nota de R$ 200, anunciada pelo Banco Central do Brasil há uma semana.

O grupo também critica a “guinada” da autarquia, que no ano passado havia sinalizado iniciativa em sentido contrário, ou seja, redução gradativa da circulação da nota de R$ 100. 

Além da inflação acumulada desde a criação do real e a baixa paridade da nota de R$ 100 frente ao dólar, o governo alega aumento da circulação de dinheiro em espécie e maior entesouramento após o início do pagamento do auxílio-emergencial, criado em função da pandemia da Covid-19, para lançar a nova cédula, que será ilustrada por um lobo-guará.

Para entidades como Transparência Partidária, Instituto Não Aceito Corrupção, Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social e Movimento do Ministério Público Democrático (MPD), entre outras, “causa espécie que a inesperada criação da cédula de R$ 200 não tenha sido objeto de debate nem com as organizações que já haviam manifestado interesse no assunto nem com órgãos de controle oficiais diretamente afetos à matéria”.

No ano passado, parte das organizações havia se reunido com a diretora de Administração do BC, Carolina Barros, que tem sido a porta-voz da autarquia para explicar o lançamento da nova nota.

As entidades levaram como pauta a tendência mundial de restrição ao uso de cédulas de alto valor, já adotada pelo Banco Central Europeu e discutida pelo ex-secretário de Tesouro do governo Barack Obama nos EUA, e defenderam a paulatina restrição de circulação das notas de R$ 100.

Embora tenham recebido do governo uma resposta positiva sobre estudos nesse sentido, as entidades se dizem surpresas pelo lançamento de uma cédula de ainda maior valor, em oposição ao que havia sido discutido previamente.

“Em vez de dificultar a logística dos crimes associados ao dinheiro em espécie, como havia indicado no ano passado na reunião com diversas das organizações signatárias, o governo tomou o rumo diametralmente oposto e adotou um meio facilitador”, diz Marcelo Issa, diretor-executivo do Transparência Partidária.

“Nas tratativas houve sinalização explícita de que a nossa preocupação era compartilhada pelo BC, mas, meses depois, vem uma decisão que vai na contramão das boas práticas internacionais, tomada de maneira inesperada e pouco transparente.”

CONTRAMÃO

“É preciso registrar, ainda, que a decisão do Banco Central brasileiro sequer parece encontrar respaldo nos dados apurados pela própria autoridade monetária, uma vez que de acordo com o relatório ‘O brasileiro e sua relação com o dinheiro’, publicado pela autarquia em 2018, 85% dos brasileiros costumam portar quantias inferiores a R$ 100 em dinheiro vivo”, observam as organizações. 

O documento das entidades cita pesquisa de opinião pública com 1 mil entrevistados, feita nos dias 30 e 31 de julho pela Plano CDE, na qual se verificou que, a partir de R$ 20, os pagamentos eletrônicos já predominam e que o dinheiro em espécie é o meio mais utilizado apenas nas transações até R$ 10.

O levantamento identificou aumento do uso de pagamentos eletrônicos em todas as classes sociais durante a pandemia: 60% no total da população, 70% entre as classes AB e 52% no segmento CDE. 

Em entrevista à CNN, o procurador da República Roberto Livianu, presidente do Instituto Não Aceito Corrupção, afirmou que, para os que “pretendem praticar crimes, lavagem de dinheiro, corrupção e aquele pessoal que transporta dinheiro ilícito em mochilas e malas, é muito mais fácil transportar cédulas de R$ 200”. 

De acordo com a Casa da Moeda do Brasil, cada nota de real pesa 0,25 grama. “Assim, R$ 1 milhão em notas de R$ 100 pesam 2,5 kg. Em notas de R$ 50, duplica-se não apenas o peso, mas também o volume que a quantia ocupa”, alegam as organizações anticorrupção. Por analogia, a nota de R$ 200 reduziria à metade o peso de R$ 1 milhão em espécie.

"INCOMPARÁVEL"

Em nota à CNN, o BC afirmou que “estudos conduzidos em 2019 concluíram pela inviabilidade de se retirar cédulas de R$ 100 de circulação”. Entre os argumentos, a autarquia afirma que a medida “apenas levaria à migração para notas de menor valor” e provocaria “grande necessidade de emissão adicional dessas notas de menor valor”, sugerindo que o custo anual passaria de R$ 900 milhões para R$ 1,76 bilhão e que a Casa da Moeda teria obstáculos para dar conta da demanda extra. 

Por fim, o BC afirma que “a experiência da interrupção da produção da cédula de € 500 (que não foi retirada de circulação) não serve de parâmetro para a cédula de R$ 100, pois se trata de nota de valor comparativo 25 vezes maior, com baixo volume de circulação e raro uso entre a população”. “Portanto, os efeitos esperados para a população e para o funcionamento da economia real não podem ser comparados”, diz a autarquia.

Entidades que assinam a nota de repúdio

Transparência Partidária

Instituto Não Aceito Corrupção

Confederação Nacional das Carreiras e Atividades Típicas de Estado

Conacate

Observatório Social do Brasil

Instituto Compliance Brasil

Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social

Associação Nacional do Ministério Público de Contas

Associação Paulista de Imprensa

Movimento do Ministério Público Democrático – MPD

Transparência Brasil

ObservatórioSocial do Brasil

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