Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil: Lei n.º 13.019/2014

Artigo escrito pelo advogado Leandro Marins de Souza, Doutor em Direito do Estado pela USP e Presidente da Comissão de Direito do Terceiro Setor da OAB/PR

02 de setembro de 2014 16:59

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No recente dia 1º de agosto foi publicada a Lei n.º 13.019, que estabelece o regime jurídico aplicável às parcerias entre a Administração Pública e as organizações da sociedade civil, assim consideradas as pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos, para a consecução de finalidades de interesse público em regime de mútua cooperação.

Embora tenha sido apelidada de Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil, em primeiro lugar é importante frisar que esta lei trata exclusivamente do relacionamento entre a Administração Pública e as instituições sem fins lucrativos, não adentrando em outros aspectos relativos às referidas organizações da sociedade civil. De qualquer modo, em relação ao tema que aborda a referida lei é de fato um novo marco regulatório.

Fundamentada nas conhecidas premissas da insegurança jurídica e da necessidade de reconhecimento da importância da participação social, o documento altera substancialmente o regime jurídico aplicável ao relacionamento dessa parceria.

A começar pelo fato de que é lei nacional, ou seja, se aplica às parcerias nas três esferas de governo: federal, estadual e municipal. No regime anterior a esta lei, cada esfera governamental dispunha de legislação própria para tratar das regras aplicáveis a estas parcerias público-privadas. A lei, portanto, padroniza procedimentos no âmbito nacional, a longo prazo, facilitando a execução destas parcerias. A curto prazo, no entanto, vale lembrar que todos os Estados e Municípios deverão se ajustar a esta nova legislação, e enquanto isto não ocorrer a tendência é que a insegurança jurídica fique um pouco pior.

Um segundo ponto importante da nova lei é que ela extingue a figura dos convênios entre a Administração Pública e as entidades sem fins lucrativos. Embora historicamente utilizados para este fim a partir do Decreto n.º 93.872/86, os convênios foram criados com finalidade de descentralização administrativa entre entes públicos e, portanto, suas regras nunca se amoldaram à relação de parceria entre entes públicos e organizações particulares. Vem em boa medida, portanto, como já havia defendido em trabalho anterior, a extinção do convênio para estes fins.

Os convênios, portanto, foram substituídos por duas novas figuras de relacionamento da Administração Pública com as instituições sem fins lucrativos para a consecução de finalidades de interesse público em regime de mútua cooperação: a) o Termo de Colaboração, quando a proposta de parceria seja oriunda do Poder Público; e b) o Termo de Fomento, quando a proposta de parceria seja oriunda das organizações da sociedade civil, por meio de Procedimento de Manifestação de Interesse Social que tramitará perante a Administração Pública para verificação da conveniência e oportunidade de instauração de chamamento público para a sua execução. Ambos os Termos, de Colaboração e de Fomento, deverão ser precedidos de procedimento de chamamento público, que consiste em edital de convocação das organizações da sociedade civil interessadas em apresentar as suas propostas de trabalho para o objeto do edital. A finalidade do chamamento público é a seleção da proposta cuja execução seja considerada a mais eficaz pela Administração Pública de acordo com os critérios definidos objetivamente pelo edital. A partir desta lei, entre outros requisitos, só poderá participar do chamamento público em qualquer esfera governamental a instituição que comprove no mínimo três anos de existência, experiência prévia na realização do objeto da parceria e capacidade técnica e operacional para a sua execução.

Vale ressaltar que a nova lei não exige qualquer tipo de certificação prévia para que a entidade possa firmar Termos de Colaboração ou Fomento; basta ser organização da sociedade civil, nos termos da lei, cumprir os demais requisitos de participação nela previstos, participar do chamamento público e ser a instituição selecionada. Mas para isto precisará passar pelo procedimento de chamamento público e cumprir outras etapas burocráticas previstas em lei.

Como toda lei, esta também apresenta aspectos negativos e positivos. Como aspectos negativos podemos citar: a) a grande preocupação da lei em criar procedimentos burocráticos que poderiam ser minimizados; b) no âmbito da prestação de contas, a manutenção do foco no controle formal ao invés do controle de resultados, embora este também tenha sido contemplado; c) o total desprestígio às certificações e qualificações já existentes, especialmente a Lei das OSCIPs; d) a sobreposição e possível conflito com a Lei das OSCIPs, que não foi revogada; e e) a outorga de desnecessários poderes de ingerência à Administração Pública sobre as atividades das instituições em determinadas situações. Do ponto de vista positivo, destacam-se: a) a previsão de capacitação dos gestores públicos e demais atores sobre o tema das parcerias; b) a criação de ferramentas de transparência e controle das parcerias firmadas, tanto para o Poder Público quanto para as organizações da sociedade civil; c) a possibilidade de criação do Conselho Nacional de Fomento e Colaboração no âmbito federal, órgão de apoio para o tema; d) a previsão de possibilidade de atuação das organizações em rede na execução dos Termos; e) a possibilidade de remuneração, pela organização, da equipe de trabalho vinculada ao Termo; e f) a possibilidade de pagamento de despesas indiretas com o recurso do Termo, limitado a 15% do valor total da parceria.

Mais um capítulo da intrincada legislação do Terceiro Setor foi escrito. Passos adiante foram dados, outros muitos ainda carecem ser dados. Tratemos, agora, de tentar assimilar da melhor forma a inserção de mais uma lei nesta colcha de retalhos, de modo a fazer que as alterações por ela promovidas sirvam para efetivamente trazer a segurança jurídica almejada neste relacionamento entre a Administração Pública e o Terceiro Setor.

*Artigo escrito pelo advogado Leandro Marins de Souza, Doutor em Direito do Estado pela USP, Presidente da Comissão de Direito do Terceiro Setor da OAB/PR, sócio do escritório Marins de Souza Advogados (www.marinsdesouza.adv.br), parceiro e colaborador voluntário do Instituto GRPCOM no blog Giro Sustentável.

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