A quem pertencem os Impostos?

Embora haja uma crença popular que eles pertençam ao governo, José Calixto explica essa e outras noções errôneas sobre política tributária

17 de junho de 2013 17:10

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O professor José Calixto de Souza Filho, em seu livro Economia Não é Um Quebra-cabeças, mostra essa ciência social de um modo não convencional, sem o chamado “economês” usado pelos meios de comunicação. Com uma linguagem simples e objetiva, a partir das dúvidas de seus próprios alunos, ele evidencia como a Economia é construída através do tempo. Sem radicalizar linhas teóricas, também desmitifica o entendimento e trabalha a complexidade dos temas que a compõe, para quebrar mitos e crenças dos grupos dominantes.

Frisa que, por estar ligada ao comportamento do homem, a Economia garante a existência da humanidade a partir da utilização dos recursos econômicos disponíveis, influenciando e sendo influenciada por outras ciências, como a Psicologia, a Matemática, o Direito, a Filosofia, a Sociologia, a Ciência Política, a História, a Geografia, a Estatística e a Antropologia. Graças a essa complexidade, ele ainda demonstra como os fatores econômicos interferem na organização da sociedade, enquanto determinam o modo de vida de um povo, o bem-estar da população, a riqueza e a pobreza dos indivíduos, de regiões e de países.

“O imposto tal qual conhecemos na atualidade é uma noção da sociedade moderna, que não pode ser comparada à expropriação nem à pilhagem, pois se trata de um mecanismo que assegura a justiça social”

Mesmo sem notar, todos nós vivenciamos a Economia diariamente. Somos afetados pelos preços dos produtos e dos serviços, pelo desemprego, pelos impostos que temos que pagar, pela política de juros do Banco Central, pela inflação, pelo comércio internacional e por muitos outros fatores. Como o espetro de temas específicos é muito amplo, em nossa entrevista, iremos nos registringir ao polêmico pagamento de impostos, base da política fiscal e um dos instrumentos da macroeconomia utilizado pelo governo para sustentar o Estado que, por sua vez, é uma instituição essencial para garantir a existência da sociedade. Acompanhe as explicações do professor:

O gabinete do coletor de impostos, pintura anônima, provavelmente de Marinus van Reymerswaele (1490-1546) / Museu de Arte em Nancy. (Foto: Reprodução)

Leituras da História – Qual a origem histórica do imposto?
José Calixto de Sousa Filho – Eu não sei e, provavelmente, ninguém saiba. O certo é que sua origem se confunde com a do homem. Desde os tempos antigos, sempre houve pagamento de parcelas à classe dominante. Mas o imposto tal qual conhecemos na atualidade é uma noção da sociedade moderna, que não pode ser comparada à expropriação nem à pilhagem, pois se trata de um mecanismo que assegura a justiça social.

LH – Qual a melhor definição de imposto para os dias de hoje?
CSF – É a parcela da renda que o Estado recolhe dos agentes econômicos para prestar diversos serviços à sociedade.

LH – Por que o imposto é essencial à manutenção do Estado e, em consequência, da sociedade?
JCSF – Porque a receita obtida com a arrecadação dos impostos é utilizada pelo governo para prestar serviços à sociedade, entre os quais Educação e Saúde, e fazer a gestão da Economia. Normalmente, muito se fala do valor dos impostos que o governo retira da população, mas poucos atentam para os gastos dele. Quando o governo paga seus funcionários, por exemplo, ele faz a roda da Economia girar e, então, devolve os impostos à sociedade, pois quem recebe consome produtos e serviços e paga novamente os impostos. A partir desse aspecto, dá para notar que os gastos do governo também melhoram a distribuição de renda, fazem o crescimento econômico, aumentam o nível de renda, reduzem a inflação e as situações de crise. Em Economia, nada acontece isoladamente, devido à complexidade do tema e à ação que cabe ao Estado regulador.

LH – Qual a diferença entre impostos diretos e indiretos?
JCSF – Os impostos diretos incidem sobre a propriedade e a renda. São pagos de acordo com um sistema de taxa proporcional que leva em consideração o valor das propriedades e o nível de renda do indivíduo, caso da tabela do Imposto de Renda. Eles atingem somente os cidadãos que possuem propriedade e renda pessoal. Já os impostos indiretos são pagos por todos os indivíduos, independente do nível de renda e poder de aquisição, pois são cobrados durante o processo de compra e venda de produtos e serviços.

LH – O tributo direto cobrado na fonte corresponde a 1/3 da arrecadação total. Já o indireto é cobrado de todos, o que resulta em 2/3. Esse sistema não é injusto para as classes mais baixas?
JCSF – Claro que é! Os impostos indiretos, que também são chamados de impostos regressivos, não respeitam ninguém, pois os mais pobres pagam as mesmas taxas que os ricos. Como já expliquei, no caso do imposto direto, quanto mais renda, maior a tributação. Como é considerada a capacidade de pagamento dos cidadãos há uma justiça tributária. Já os impostos indiretos são aplicados de forma regressiva, sem considerar a capacidade de pagamento do contribuinte. Entre dois indivíduos, um com uma renda de R$ 700,00 e outro com uma renda de R$ 5 mil, o impacto da tributação sobre cada um deles é totalmente diferente. O primeiro gasta toda sua renda com a compra de bens e serviços, que são totalmente tributados. Já o segundo terá somente metade da renda tributada. É justo o primeiro pagar pela manutenção de estradas ou pela construção de grandes avenidas para atender às necessidades do segundo que, provavelmente, tem um veículo? Não!

“Os impostos indiretos são pagos por todos os indivíduos, independente do nível de renda e poder de aquisição, pois são cobrados durante o processo de compra e venda de produtos e serviços”

Em termos relativos, a carga tributária brasileira é média, mas em termos absolutos, considerando a renda per capita, ela é baixa. (Foto: GFDL/Joe Maber via Leituras da História)

LH – O que é carga tributária e por que ela é dividida em bruta e líquida? LH – Então, qual seria a tributação mais justa?

JCSF – Seria aquela que cobrasse somente dos que recebem os benefícios do Estado o imposto referente ao uso deles. Aí sim, teríamos justiça tributária. Mas não é o que acontece no Brasil, onde há um grande desequilíbrio na distribuição dos tributos em favor dos mais abastados. Como o governo privilegia as classes mais ricas, entre outros exemplos, dá para frisar que, apenas 7% dos recursos arrecadados com a tributação são destinados a aposentaria dos 20% mais pobres, que ainda subsidiam a Educação superior pública para os filhos dos mais ricos. Além disso, os gastos públicos com transportes individuais são de aproximadamente 15% a mais do que os com transportes coletivos. Em 2010, o governo gastou quase 12 bilhões de reais para garantir a utilização de automóveis, motos e bicicletas como meio de transporte. Esse valor foi aplicado na infraestrutura viária e na organização do tráfego. Se somássemos a ele os gastos indiretos com os acidentes de trânsito e poluição, o montante aumentaria bem mais. Em contrapartida, para gerar transporte coletivo, ele gastou apenas 800 milhões. Mas, na maioria dos países pobres, é assim que funciona.

LH – O que é carga tributária e por que ela é dividida em bruta e líquida?
JCSF – A carga tributária é o total de arrecadação de impostos pelo governo. Já a carga tributária bruta é representada pela taxação imposta à sociedade por meio de impostos, taxas e contribuições. Da carga bruta, os valores que são devolvidos imediatamente à sociedade, como os gastos com a previdência, saques do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), Bolsa Família e outros benefícios sociais, transferências públicas e subsídios, chamados de Taps, além dos juros pagos à dívida pública, formam a carga líquida, que é responsável por validar a carga tributária de um país. Composta por recursos que o governo pode usar para prestar serviços à sociedade e fazer a gestão econômica, em boa parte, ela está regulamentada em lei, o que impede sua livre utilização.

LH – O que são os subsídios?
JCSF – São uma espécie de imposto invertido, que o Estado doa ao comércio e à indústria com o intuito de reduzir o preço final dos produtos e, assim, impulsionar o desenvolvimento do setor beneficiado, impedir a concorrência desleal, facilitar o acesso ao crédito, aumentar o consumo etc.

“Em 2010, o governo gastou quase 12 bilhões de reais para garantir a utilização de automóveis, motos e bicicletas como meio de transporte. Esse valor foi aplicado na infraestrutura viária…”

Normalmente, muito se fala do valor dos impostos que o governo retira da população, mas poucos atentam para os gastos dele. (Foto: www.broch.com.br)

Normalmente, muito se fala do valor dos impostos que o governo retira da população, mas poucos atentam para os gastos dele. (Foto: www.broch.com.br)

LH – A partir da Bolsa Família e benefícios sociais semelhantes, como o governo insere a população praticamente sem ou de baixíssima renda na Economia?
JCSF – Ao transferir renda, ele propicia o consumo de produtos e serviços, além da inclusão produtiva, enquanto arrecada impostos indiretos, o que faz girar a roda da Economia. No Norte e Nordeste, os efeitos desses mecanismos sobre a Economia já são notados.

Ônibus durante o embarque e desembarque em Campinas (SP). (Foto: Divulgação)

LH – O que são os juros da dívida pública e a quem eles sãos pagos?
JCSF – De um modo geral, a população leiga em Economia imagina que esses juros são pagos aos banqueiros. Mas o dinheiro que financia a dívida pública é dos cidadãos e não dos bancos. Quando aplicamos nosso dinheiro na poupança, nos fundos de renda fixa ou outras aplicações, estamos financiando o governo. Se ele não pagar os juros, não serão os bancos os prejudicados, mas todos os aplicadores, independentemente se pessoas físicas ou jurídicas.

“A população leiga em Economia imagina que os juros da dívida pública são pagos aos banqueiros. Mas o dinheiro que financia essa dívida é dos cidadãos”

  

LH – Se a carga tributária do Brasil é alta, por que os serviços oferecidos à população, principalmente de baixa renda, são tão precários?
JCSF – Aqui temos outra noção errônea. Em termos relativos, a carga tributária brasileira é média, mas em termos absolutos, considerando a renda per capita, ela é baixa. No meu livro, explico que é comum compararmos o Brasil à Noruega, pois ambos têm carga tributária acima de 30%. Porém, o valor recolhido na Noruega é 9,2 vezes maior que o valor recolhido no Brasil, devido ao nível de renda per capita da própria população, que é bem mais alto e resulta em um tributo maior, ao contrário do Brasil, cujo nível per capita é baixo e, em consequência, o tributo arrecado é menor. Na Noruega, os serviços são bem melhores porque há mais renda para investir. Para ficar mais claro ainda, vamos fazer uma relação entre dois cidadãos. O primeiro deles recebe R$ 3 mil ao mês, e o segundo, R$ 15 mil. O primeiro reserva R$ 1 mil para a saúde, e o segundo, R$ 5 mil. Pela lógica, o segundo terá uma maior quantidade e, provavelmente, melhor qualidade de serviços médicos, se comparado ao primeiro. Logo, a simples comparação de percentual de carga tributária não pode indicar que os serviços prestados pelos governos devam ser equivalentes. É preciso levar em conta a renda per capita da população. Em relação aos impostos, além do brasileiro ser desinformado, as ideologias são disseminadas pelas classes dominantes que fazem a gestão do país. Mesmo assim, as classes mais altas reclamam do valor da tributação direta e as mais baixas pagam impostos indiretos de efeitos imperceptíveis. A democracia é desleal, mas o governo não faz “chover”. Ele aplica a tributação para beneficiar a sociedade.

  

Os impostos, justos ou injustos, são essências para garantir a existência do Estado…

No entanto, seria mais justo cobrar os benefícios de quem realmente se utiliza deles. Mas aí surge outro problema: tudo que é público é ruim. Muitos preferem a privatização e reclamam do perfil político padrão. Porém, na hora de adquirir, alguns se voltam para o consumo de produtos pirateados e, em consequência, não pagam impostos. Essa cultura, em longo prazo, provoca a concorrência injusta, a redução de empregos, do desenvolvimento, dos benefícios concedidos às classes mais baixas etc. Mas como a Economia não é uma ciência exata, ela tem seus aspectos psicológicos, éticos e morais. Embora muitos critiquem a intervenção do Estado, seria bom relembrar que até Karl Marx o defendia como promotor de igualdade, de justiça na divisão do produto econômico, como dono dos fatores de produção e planejador das atividades econômicas. Sem ele, a vida em sociedade e a própria existência humana estariam ameaçadas pelo caos e a barbárie. Logo, os impostos, justos ou injustos, são essências para garantir a existência do Estado.

ECONOMIA NÃO É UM QUEBRA-CABEÇAS

O livro de José Calixto de Souza Filho tem como proposta quebrar paradigmas, facilitar o entendimento da Economia e trabalhar a complexidade econômica por meio de uma linguagem acessível. Ao possibilitar a compreensão do processo econômico, ele rompe com os mitos e o senso comum utilizados para difundir determinados valores e crenças dos grupos dominantes que fazem a gestão dos recursos econômicos, com a finalidade única de trazer a Economia para perto da sociedade. A obra responde a questões como: Por que estudar Economia? O que é inflação? Por que os preços sobem? Devemos pagar impostos? Ele ainda mostra que a Economia não é uma ciência exata, embora seja necessário de um pouco de entendimento matemático para compreendê-la. Em paralelo, evidencia tanto sua complexidade quanto como as nossas ações individuais afetam as demais pessoas de uma sociedade e como também somos afetados pelas ações dos outros. Ressalta que nossas escolhas individuais são responsáveis pela organização social e também pela ação dos governantes. Trata da questão dos impostos, da distribuição de renda, da globalização, da dívida externa, da inflação e muitos outros aspectos importantes do nosso dia a dia. De forma resumida, é um livro que vale a pena ser lido e relido.

Sobre José Calixto de Souza Filho

É economista, professor universitário, mestrando da Universidade Tecnológica Nacional da Argentina, palestrante de temas econômicos e autor do livro Economia Não É um Quebra-Cabeças.

Por Morgana Gomes
Via Revista Leituras da História

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